MINICLUBE #01 :VIDA E MORTE DE UMA HEROÍNA

27/11/2017

VIDA E MORTE DE UMA HEROÍNA

TEXTO FINAL #01

Durante os últimos três meses, estivemos acompanhando os passos da princesa salvadora de Ileana Simziana através de seu mundo fantástico e de sua jornada de heroína. Agora, chegou a hora de darmos adeus; mas, antes de deixarmos que ela parta, que tal recapitularmos tudo que vivemos ao longo desse primeiro miniclube do livro?

Com início oficial no dia 5 de setembro, quando disponibilizamos nossa tradução original do conto, algumas informações sobre Petre Ispirescu e também a respeito da Romênia, o miniclube do livro dedicado ao conto Ileana Simziana teve por base dois pilares: o debate constante; e os textos de apoio, que foram três, nos quais buscamos selecionar alguns aspectos que os participantes pudessem analisar conosco na obra.

No primeiro texto de apoio, o assunto foi a própria estrutura narrativa da obra. Nele, falamos sobre o que os contos de fadas representam na vida dos homens, assim como a jornada do herói, que subjaz ao caminho percorrido não só pela protagonista da história em questão, mas também por dezenas e milhares de outros protagonistas da ficção, seja no passado ou dentro da contemporaneidade.

No segundo texto, trouxemos os aspectos fantástico, mítico e simbólico presentes no conto. Pudemos, então, analisar a simbologia dos números; a presença de animais que falam, refletem e agem como humanos; a recorrência da magia; e, sobretudo, durante nossos debates, tentamos compreender porque tudo isso nos representa um estranhamento familiar.

No terceiro e último texto de apoio, a questão em pauta foi uma que, apesar de também antiga, permanece bastante atual: o feminino. Ao construir uma comparação com a balada de Mulan, foi possível observar como a figura da mulher era vista na antiguidade ocidental e oriental - mais: como a figura da mulher era construída pela literatura, mesmo que em dois espaços completamente distintos entre si quanto à cultura, origem e língua. Conhecer o passado nos faz repensar o presente, por isso, esse texto foi de extrema importância para o segundo pilar, do qual já falamos anteriormente: os debates.

A decisão do meio de comunicação entre participantes e organização foi feita por meio de votação, sendo assim, a maioria decidiu que as discussões se dariam em postagens específicas dentro do nosso grupo no Facebook. A primeira delas foi a postagem oficial do miniclube, que foi aberta no dia 8 de setembro e ficou disponível para que todos comentassem até o dia da discussão final, quando, então, foi aberta uma segunda postagem, cujo objetivo era realizar o fechamento do debate e a conclusão do miniclube.

Dependendo do prisma pelo qual se escolha olhar a leitura, ela pode parecer um ato solitário; a discussão, porém, jamais o é. Sob essa perspectiva, colocar aspectos de Ileana Simziana como alvo de debate foi uma excelente forma de compartilhar a leitura que cada um fizera do conto, para conseguir pensá-lo, para além de uma leitura própria, em relação a diversos fatores que cercam e constituem a nossa vida, ou seja, conseguir pensar de que forma Ileana Simziana, obra da transição entre os séculos XIX e XX, impacta em nossa realidade do século XXI.

No meio desse processo de discutir e refletir, questões maravilhosas e pertinentes foram trazidas à baila por todas as partes participantes: a visão sobre a velhice e a juventude e como ela é organizada dentro de sociedades antigas que valorizam, ao mesmo tempo, a sabedoria e a força; a representação da coragem e da covardia, protagonizada pelo grande Imperador que manda o seu súdito, a protagonista, para enfrentar os perigos que ele próprio deveria (abrindo, dessa forma, um parêntese: se a sociedade daquela época prezava tanto a força motora masculina, por que o conto narra os feitos de uma mulher?); a observação do que era ser mulher em tempos e territórios diversos, sempre nos lembrando que as personagens femininas, fossem ocidentais ou orientais, como a guerreira do conto e Hua Mulan, valorizavam muito a natureza, pois quase nada dela conheciam; a contraposição, feita no texto, entre bênção e maldição, de forma que terminamos nos questionando se, de fato, o final é uma benção para a protagonista como ela crê; a religiosidade associada aos animais, além da sabedoria e o aspecto de mentor direcionado a uma figura animalesca, ao invés de uma personalidade humana (surgindo, nessa medida, um estranhamento tanto em relação à religiosidade animal - para quem ela vai? Que Deus ela segue de fato? - como também a respeito do fato de ser um cavalo o mentor da jornada que nos encantou durante esse tempo de convívio).

Por fim, surgiram perguntas para as quais talvez jamais tenhamos respostas definitivas, como: "será que Ileana sabia desde sempre quem era seu príncipe?". Não temos como ter certeza de tal resposta, visto que falamos de épocas muito diferentes da nossa.

Então, mais uma questão surgiu: "como podemos avaliar uma narrativa, baseada em um conto popular romeno, a partir de nossas ideias e crenças contemporâneas do certo e do errado, do justo e do injusto, das limitações do feminino e, não menos importante, da questão da sexualidade, sem deixarmos de tentar desvendá-lo pelo que - de fato - representava para os homens da época e representa para nós, na atualidade?".

Será que existe, dentro da história, uma subversão a respeito dos princípios da época? Será que Petre Ispirescu foi totalmente fiel aos contos populares que sua mãe lhe narrava na infância antes de dormir ou ousou ao tentar lidar com os preconceitos da sociedade de sua época? Como julgar uma narrativa sem deixarmos de entender o seu tempo? São questões que não possuem respostas, nem mesmo para os investigadores mais sagazes. Entretanto, essa ideia - em nenhum momento - pode nos limitar nas tentativas - e na ousadia - de ler e compreender o texto. Qualquer texto.

E, assim, chegamos ao fim ao fim da jornada. Claro que dar adeus não significa abandonar de todo as reflexões que fizemos juntos ao longo do caminho, pelo contrário, devemos pensar cada vez mais nelas e empregá-las em nossas futuras leituras.

Pensar o fantástico, o maravilhoso, o feminino, os contos e o que tudo isso representa para cada um de nós e para nossa sociedade é uma necessidade constante para além do texto lido, é uma necessidade constante para pensar quem somos e como nós nos formamos com o passar do tempo, do espaço e de nossa filosofia e sociologia sociais. Dessa forma, analisar uma obra diz muito sobre ela, mas também diz muito sobre quem somos. O que pensamos reflete no que lemos e o que lemos reflete no que nós somos.

Por isso, não podemos mais dizer que há um adeus, mas um até logo.

Deixemos que Ileana e seu - agora - príncipe partam, afinal; porém, o encanto e o aprendizado, estes deixemos que fiquem.


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